O Recreio foi um
navio-boate (sim, um navio sem motor preparado para festas!) que, em 1971,
durante um forte temporal, rompeu suas amarras e acabou encalhando próximo ao
Canal 6. Um ano e meio depois foi parcialmente desmontado, dinamitado e
arrastado para fora da praia diante da estupefação e do alivio dos santistas.
A operação de remoção, entretanto, deixou parte da estrutura
do casco enterrada na areia. Com a erosão da praia, segundo artigo publicado no
Almanaque de Santos (IHGS/ Sabesp, ano 1, nº 3, 2011), a partir de 1999 os
destroços remanescentes, desenterrados, passaram a vitimar os banhistas. Anos
mais tarde o local foi sinalizado e a prefeitura, em 2006 começou a remover
pedaços de metal nas marés baixas.
Até aqui não haveria o porquê do questionamento da remoção
do restante do casco do navio: ele causa problemas à balneabilidade daquele
trecho da praia. Mas é a história pregressa do Recreio que provoca um segundo olhar sobre essa ação.
O navio iniciou seus trabalhos como Carl Hoepcke, mandado construir pela Empresa de Nacional de Navegação
Hoepcke, na Alemanha, em 1926. A sofisticada embarcação serviu à empresa
catarinense de 1927 a 1960, época em que realizou a cabotagem entre os portos
de Santa Catarina e o Rio de Janeiro.
A navegação era, então, a melhor maneira de realizar a
derrota, de forma que tanto passageiros humildes, quanto passageiros proeminentes
no cenário político e econômico brasileiro foram transportados pelo Carl Hoepcke, o que faz da nave um ícone
na história catarinense. Assim, o Instituto Carl Hoepcke, segundo o já
mencionado artigo do Almanaque, pleiteia a doação do leme do navio que,
contudo, continua armazenado em um galpão em Santos.
Minha opinião é a de que o
resto da embarcação é claramente um sítio arqueológico de naufrágio que, no
entanto, deveria ter seu perímetro de alguma forma melhor delimitado e sinalizado, evitando
que os banhistas se machuquem e que, ao mesmo tempo, permita que o público possa usufruir de um
espaço musealizado. Não seria mais uma interessante atração cultural um
naufrágio de um navio dos anos 1920, acessível a quem não mergulha, situado próximo ao Aquário, ao Museu de Pesca, diante do fortim da praia do Góis e da fortaleza da Barra Grande?
Foi com essa ideia em mente que, no último dia 06 de maio,
por volta das 9h da manhã, no pico da maré vazante, eu, Daniela Damo, Luciana Bozzo Alves, Lucas
Troncoso, Cristiane Eugênia Amarante e sua filha, a pequena Mariana, realizamos um raid aos
restos metálicos do Recreio, buscando
fazer medições básicas com trena e registros fotográficos que servissem para uma discussão
futura da importância dos vestígios.
Independe da ruína do Recreio ser considerada sucata ou sítio arqueológico, ela certamente merece uma abordagem arqueológica, ou seja, sua proteção ou demolição deveria ser acompanhada e registrada por arqueólogos antes, durante e depois de qualquer ação.
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